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O Vinho do Pico
"herança, património e cultura"

 

Numa linha de contínua e continuada pesquisa histórica sobre aspectos ligados à ilha do Pico, Tomaz Duarte acaba de dar à estampa a monografia O Vinho do Pico, levantamento exaustivo de quanto se escreveu sobre a vinha e o vinho do Pico e que constitui, no meu entender, a melhor síntese e o melhor trabalho de investigação que alguma vez foi escrito sobre tal temática.

Este é o livro que faltava e que, por isso mesmo, é, a partir de agora, uma obra de referência. De resto, a sua publicação não poderia ser mais oportuna, tendo em conta a recente candidatura das vinhas do Pico a Património Mundial. O que me leva, desde já, a lançar aqui um repto: pela importância do seu conteúdo, esta obra bem que merecia ser traduzida para a língua inglesa.

Com apetecível Prefácio de Ricardo Madruga da Costa, O Vinho do Pico apresenta-se com esmerada qualidade gráfica, havendo a salientar o “Álbum fotográfico” nele contido (que ocupa metade do corpo da obra), de inegável valor iconográfico.  

Com engenho, suor e arte se define a vitivinicultura da ilha do Pico. De facto, foi ao preço de um trabalho penoso, árduo e difícil que o picaroto rebentou a crosta queimada para poder cultivar a vinha que protegeu com muros soltos de pedra lavosa.

(Recordo aqui a frase lapidar de António Duarte, irmão de Tomaz Duarte: “Os maroiços são a epopeia de pedra do Homem do Pico”).

Com possível proveniência da ilha da Madeira e/ou da ilha de Chipre, sabe-se que as vinhas do Pico foram muitíssimo bem cuidadas por frades franciscanos, carmelitas e, mais tarde, pelos jesuítas e capuchinhos. A cultura dessas vinhas, durante o ciclo do famoso “verdelho”, esteve na base de todo um notável património que marcou, de forma indelével, a ilha montanha. A ilha do Pico chegou a ter 30.000 habitantes. Não faltava mão de obra para labutar em terra e no mar. Em terra eram os vinhedos numa extensão de léguas a perder de vista. O mar complementava o sustento de tantos e tão numerosos agregados familiares.

Um século antes do ciclo da laranja, foi o vinho do Pico que conseguiu “internacionalizar o Comércio Açoriano”, segundo Tomaz Duarte. Durante a primeira metade do século XIX este vinho correu mundo, tendo sido muito apreciado no Reino, ilha da Madeira, Brasil, Indias Ocidentais e Orientais… Foi também consumido por essa Europa fora: Inglaterra, Alemanha e, embora a escassez de documentação dificulte o esclarecimento, terá mesmo chegado à mesa dos Czares da Rússia. Autores como Chateaubriand, Garrett e Tolstoi renderam-se ao “rescendente Pico”.

Até  que chegou o fatídico ano de 1852 que trouxe à ilha do Pico uma desgraça com o nome de oidium e, 20 anos depois, haveria de surgir uma outra praga chamada filoxera. E foi o descalabro económico para proprietários, morgados, barões, viscondes, fidalgos e outros “senhores” da ilha do Faial… E pior ainda para a plebe que vivia do vinho e para o vinho: feitores, quinteiros, vinhateiros, caseiros, rendeiros, carreiros, tanoeiros e outros trabalhadores rurais.

E depois veio a casta americana Isabella, o nosso “vinho de cheiro”, que hoje a comunidade europeia não quer provar… E depois foi a reconversão das vinhas. E foi a introdução de novas castas europeias de que haveria de resultar as marcas “Terras de Lava”, “Basalto” e, mais recentemente, o generoso “Lajido”.

Tomaz Duarte traça um quadro admirável sobre a história do vinho do Pico, no tempo e no espaço. E fá-lo recorrendo a documentos, fontes bibliográficas, estatísticas e estimativas, conhecimentos históricos, testemunhos orais, exercícios de memória e observação atenta do real. Para ilustrar as suas narrações históricas ligadas à vinha e aos usos e costumes das vindimas, cita passagens literárias de autores como Rodrigo Guerra, Nunes da Rosa, Florêncio Terra e Ernesto Rebello.

Mas este historiador picaroto não se limita a relatar factos históricos; interpreta-os e analisa-os, com rigor, paixão e sentido crítico, através de uma escrita que possuindo grande fluidez narrativa, é vernácula, iluminada e radiosa. Atente-se neste exemplo: 

E se é certo que o vinho tem alma, a do “Pico” emana com certeza da madre do seu Vulcão.

Ver brotar as cepas da lava faz pensar em algo de mágico ou milagroso e só se entende a invulgar classe das uvas quando se desvenda o segredo da sua apuradíssima maturação, que a mesma lava propicia.

Um vinho desta categoria não foi criado para bebedores, mas sim para entendidos e, como tal, terá a sua perenidade assegurada, porque a raridade não tem preço. Produzi-lo, constitui um desafio, mas com ufania. Saboreá-lo, é sempre um privilégio. Servi-lo, exige requinte. Guardá-lo, um tesouro…”.

                                                                                                         (pág. 105) 

A Tomaz Duarte se fica a dever a iniciativa que conduziria à constituição do Museu do Vinho, na ilha do Pico. A ele se deve também as primeiras diligências legislativas visando o ordenamento e classificação da paisagem do “verdelho”. Fê-lo de viva voz, em fóruns de debate e em escritos, sensibilizando aqueles que estavam insensibilizados… Deve-se-lhe também a Festa das Vindimas.

Por conseguinte, e seja qual for a resposta dos especialistas da UNESCO, uma coisa parece-me já certa: foi Tomaz Duarte quem conseguiu meter o Vinho do Pico no mapa do Mundo. 

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